Centro antigo de São Paulo tem samba, ancestralidade e vida real pulsando
Artistas celebram com o público na histórica Rua do Comércio
Se você tentar encontrar um bom samba no centro antigo de São Paulo, num sábado à tarde, talvez chegue na Rua do Comércio. É ali, no número 34, que um boteco existe desde 1953 e, há cerca de seis anos, recebe Zanza Simião e “suas amigas” Elisa Simião (que é irmã da artista), Sandrinha Lima e Ana Lúcia Barbosa (Analu). Juninho Duds e Ricardo Adalberto completam o grupo, que toca na histórica calçada, naquela região com ruas de pedra por onde não circulam carros, apenas pedestres.
“Tem que ter muito respeito pela espiritualidade que tem no Centro de São Paulo”, diz a cantora, quase no final do show que dura cerca de quatro horas e traz uma variedade de hits da música popular brasileira, indo de Zeca Pagodinho a Nelson Gonçalves, passando por clássicos do gênero, como Roberto Ribeiro (de “Todo menino é um rei”, dos anos 1970), para chegar aos sons das religiões de matriz africana (o refrão “Dói, dói, dói, dói, dói/ Um amor faz sofrer, dois amor faz chorar” contagia).
Zanza explica ao público, como noutras ocasiões, que a roda de samba ali, no Bar 34, nunca teve “nenhuma confusão”, nesse período todo. Engajada, ela lembra no show que a região foi habitada inicialmente pelos povos originários e, posteriormente, pelos escravizados. “Depois, juntou todo mundo”, reforça a artista, em uma verdadeira “homenagem ao povo da rua, ao povo da Rua do Comércio, que tem toda sua ancestralidade”, menciona ela, noutro momento do espetáculo.
De fato, confusão não teve nenhuma, como de costume. Mas foi de arrepiar o momento em que o espaço foi sendo adentrado por quatro crianças, três delas negras, que vendiam balas e pediam dinheiro aos clientes e aos artistas. Talvez distraído, o segurança não percebeu o momento e não fez intervenções. E elas, as crianças, fizeram parte do show e um show à parte, contemplando o som do atabaque da percussionista Analu - que compartilhava com os guris aquele momento. Emocionante.
Houve quem desse um salve a Cosme & Damião e Doum, em meio a tudo isso. Outros, porém, podem não ter gostado muito. Afinal, entre brancos e pretos, brasileiros e estrangeiros, paulistas e paulistanos, homo e heterossexuais, talvez houvesse, também representando essa diversidade toda, quem desconhecesse a desigualdade social e racial que embala a maior cidade da América Latina. É essa a desigualdade que faz com que a região, nas imediações da Bolsa de Valores, concentre tanta pobreza.
Pobreza e riqueza que de fato convivem, como constatado por um entusiasta do samba, que assistia e participava dançando e cantando, nesse sábado (3). Apontando para idosos que, na mesa da frente, curtiam o momento, ele comentou que aquilo ali “não tinha preço”. Respondi que, pra mim, simbolizava a vida real pulsando. Ele concordou. Porque, parece, todos no ambiente de fato queriam apenas curtir o pré-carnaval em São Paulo, ignorando-se as eventuais diferenças, de status, de conta bancária, etc.
Para chegar até lá, fomos dessa vez de Uber, eu e meu noivo. Em 2022, primeira vez que estivemos no local, tínhamos ido de carro. O processo é quase sempre o mesmo: como não entram veículos na região, você precisa descer há alguns poucos metros. De transporte por aplicativo, ficamos na Rua Boa Vista, esquina com a Três de Dezembro, em frente a um prédio da Defensoria Pública. De lá, caminhamos contemplando a bela vista dos prédios históricos, seguimos o som do samba e chegamos.
Nessa última passagem pela cidade, vindos do interior, nossa sensação de segurança foi bastante razoável: no boteco, foi possível ver policiais circulando por pelo menos dois momentos. Já a circulação de carros, essa nunca é fácil, com o agravante de que, dessa vez, diversas ruas estavam interditadas, por conta dos blocos do carnaval de rua. Problema menor, perto dos outros. Como diz o samba entoado por Zanza e as amigas: “Tá ruim mas tá bom eu tenho fé/ Que a vida vai melhorar”.
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